Roque Santeiro ou Morangos com adoçante?

Eusébio é nome de craque da bola, o mítico Pantera Negra, que em muitos países por esse mundo fora é venerado, justamente reconhecido e citado em todas as listas dos melhores jogadores de todos os tempos, ombreando com nomes tão ilustres como Di Stéfano, Cruyff, Beckenbauer, Pelé (com quem manteve uma cavalheiresca e célebre rivalidade), o mais actual e problemático Maradona, etc. Atrevo-me até a afirmar que ele é talvez o único que repete a presença nessas listas todas!

Mas Eusébio é também "nome de novela sul- americana", bem ao nosso estilo tuga, um estilo “sem grande estilo”, diga-se de passagem, pobrezinho na técnica e ainda pior de conteúdo. Não é bem “Roque Santeiro”, é mais “Morangos com adoçante”, e coisas que tal. Corria o já longínquo ano de mil novecentos e troca o passo (61, creio), e o Sporting de Lourenço Marques informava o Sporting da metrópole sobre um talento puro, que tinha despontado em equipas de futebol de rua, sendo que numa delas - os "Brasileiros", um moço - poço de energia e brilhantismo - abrira os olhos a muito bons olheiros que, lá como cá, costumam dormir na forma em pleno serviço. Só que a coisa era demasiado evidente e óbvia, e alguns parece que acordaram a tempo de perceber o que tinham à sua frente, antes de adormecer novamente. Vou tentar ser breve e vou tentar ser objectivo, daquilo que sei do caso.

O Sporting de Lourenço Marques estava dividido entre uma certa ligação ao Sporting-"mãe", e o aproveitamento directo para a sua própria equipa de futebol deste inegável talento, adiando a sua mais do que necessária viagem rumo a Portugal. Andaram uns tempos às turras por causa disto, sem contudo a situação avançar minimamente: as posições iniciais de ambos os lados mantinham-se e a família de Eusébio assistia a este ping-pong e a esta indefinição na 1ª fila de um triste espectáculo que nem merecia o preço do bilhete. Por esta altura a mãe de Eusébio e o próprio Eusébio já desesperavam por uma clarificação do seu futuro desportivo. Ora, o Benfica soube da história - que por aquela altura já devia até ser motivo de risota nacional, tanto em Moçambique como em alguns círculos em Portugal -, avaliou atempadamente o real valor deste fenómeno africano, e foi sério na abordagem. "- Sério? Chamas a isto sério!??" , perguntam-me os meus muito amigos mas despeitados sportinguistas. Eu explico, eu vou explicar devagar devagarinho.

O Benfica enviou uma comitiva de 2 ou 3 dirigentes, e foram falar directamente com a mãe de Eusébio. Ora, fiquem sabendo que isto é que é ser sério e isto é que é respeitar a vontade das pessoas e as tradições familiares africanas: falar com elas directamente e deixar a trapalhada dos contratos e do jurídico para mais tarde. Quando, algumas horas mais tarde, esses dirigentes se despediram da mãe de Eusébio, tinham com eles uma coisa mais verdadeira, mais autêntica, mais honesta do que contratos disto ou contratos daquilo: tinham a palavra de honra de um ser humano que, por muito pobre que fosse - e consta que era mesmo muito pobre - ainda sabia o valor de uma palavra de honra e uma conduta honesta. Só quem nunca foi pobre a valer é que desconhece o valor da palavra de honra de um pobre – pobre na carteira, mas nunca na alma.

Neste contexto, a acusação de jogo baixo e suborno - cheia da tão habitual soberba e falsa nobreza - que o Sporting lançou ao Benfica (e que incrivelmente ainda subsiste e nunca foi desmentida até hoje!!) é, ela sim, jogo baixo e um autêntico insulto ao bom nome da família de Eusébio. E venha agora algum sportinguista acusar-me de ser mentiroso. Não aparece ninguém pois, se já não há testemunhas presenciais vivas desta reunião, pelo menos a memória do próprio Eusébio não me deixará por certo mentir sobre esta situação. E se eu estiver errado, pedirei desculpa imediatamente.

Eu estou a dedicar muito tempo a este assunto pelo seguinte: é este tipo de pessoas que eu, como benfiquista, quero para o meu glorioso. Não quero mercenários. Não quero cebolas podres descascadas ou por descascar, não quero veraneantes Sokotas, nem Álvaros Pereiras, ou Carvalhos, ou Sobreiros, nem muito menos Falcões arraçados de Milhafres ou Rolas. No fundo, não me agradam intrujões em geral, intrujões em quem não se pode confiar, e que, por muito menos de 30 dinheiros, se vendem ao maior licitador que aparecer lá em sua casa ou nos arredores do seu clube. Quero apenas uma e uma só coisa: pessoas que cumpram a sua palavra de honra, e que honrem o que disseram e ainda se lembrem do que combinaram no dia anterior!

É muito importante dizer isto nos dias que correm, em que 30% dos jogadores que o Benfica contacta vão direitinhos para um certo e determinado Dragão azul-esverdeado, e outros 30% dizem sim num dia e talvez no outro, “e ala que se faz tarde que o vizinho ali ao lado oferece mais um centavo e mais uma casa do que vocês”. E ponto final parágrafo, que estamos conversados sobre este assunto.

Bom, mas se acham que a novela tinha acabado, nada disso! A novela prolongou-se no território português, uma vez que o Sporting - qual náufrago desesperado por uma bóia de salvação qualquer - decidiu agarrar-se a dúbias cláusulas jurídicas de dúbios contratos, assinados nem que fosse pelo gato de estimação de Eusébio, tornando a sua vida num verdadeiro inferno durante uns meses. Eusébio teve até de embarcar no avião para Lisboa sob um nome falso, imagine-se! E depois foi direitinho para umas férias forçadas no Algarve, segundo me lembro, para "curar" a hipocrisia e teimosia sportinguista, como quem cura uma infantil mas relativamente inócua bebedeira.

Agora, e para terminar esta que foi a mais mítica - e curiosamente a de mais baixo “orçamento” - novela do futebol português, deixem-me esclarecê-los completamente sobre a importância relativa das coisas, hoje, naquela altura, e sempre: o Benfica da época era uma máquina infernal. O pequeno mas genial Simões, o mago Coluna, o gigantesco Torres, um onze considerado uma das equipas de sonho de sempre na Europa. Se duvidam, leiam este próximo parágrafo:

“O Benfica ocupa a nona posição no ranking dos maiores clubes europeus do século XX. A lista é apresentada pela Federação Internacional da História e Estatísticas do Futebol (IFFHS) e baseia-se nos resultados de todos os emblemas nas competições europeias realizadas entre 1901 e 2000”. Quando Eusébio chegou, o Benfica era já campeão europeu! Pessoal, eu repito: já era! Já era campeão europeu! Nesse ano, o Benfica foi de novo campeão europeu, com Eusébio a brilhar tão alto no seu ano de estreia no futebol europeu (!), que desde aí a lenda apenas aumentou, ano após ano após ano.

Duplo bota de ouro na Europa, melhor marcador em Portugal inúmeras vezes, um dos melhores avançados-puros da História do futebol, mais de 750 golos marcados na longa carreira, o terror dos guarda- redes, um lendário fair- play, elogios unânimes em todos os verdadeiros amantes do futebol-espectáculo, dezenas de golos inesquecíveis, um número incrível de presença em finais europeias... ouço muitas vezes: "- Ah, se ele ao menos tivesse vindo para o meu Sporting..." Meus amigos!, se ele tivesse ido para o Sporting nunca teria tido esta visibilidade internacional, nunca na vida!, nem nunca teria sido a lenda que foi! Liedson ou Balakov ou Figo ou o cometa-Rickaard podem contar-vos a história toda sobre a real dimensão do vosso Sporting, se a quiserem ouvir algum dia, que eu duvido!! Ou seja, meus simpáticos e pouco esclarecidos e pouco conhecedores sportinguistas: devemos sempre relativizar as coisas.

Creio que a novela termina aqui. No entanto, se alguém tiver algum trunfo na manga - ou seja, alguma informação útil que esclareça o caso sob outra perspectiva -, cá estarei para “reabrir o processo”, que por mim este caso não vai prescrever como outros que andam pelos nossos muito lentos tribunais! Enquanto isso não acontece, abraço a todos, e saudações gloriosas!

P.S.: Dona Elisa, a senhora honrou a sua palavra, e manteve o bom nome da sua família intacto. Que Deus a guarde bem junto de si. Um imenso, eterno, humilde: "Muito obrigado".

(Mais uma vez esclareço que se houver erros factuais neste artigo, não só permito mas peço que os funcionários deste site alterem o artigo sem sequer falarem comigo. Porque este assunto é muito sério e apenas desejo esclarecer. Obrigado.)