O legado de "La Masia"

Poucos saberão, mas os espanhóis devem o ressurgimento da fúria espanhola, em grande parte, a um ilustre holandês: Johan Cruyff.

O futebol supremo do Barcelona, expresso também na seleção de Espanha, atual campeã do Mundo e da Europa, foi idealizado por si. A filosofia do tiki-taka defendida por Cruyff deriva do conceito de “futebol total” celebrizado pelo Ajax e pela seleção holandesa na década de 70. Usou o seu aprendizado nas escolas do Ajax e propôs a Josep Núñez, presidente do Barcelona na época, a criação de uma academia para trabalhar a formação de jogadores de forma única. Um projecto a longo prazo, com princípios bem definidos, baseados na técnica e na inteligência, em todos os momentos de jogo. Em 1979 foi remodelada “La Masia”, antiga sede do clube, então transformada para hospedar atletas de fora da cidade, e começou a desenhar-se uma história de sucesso ímpar no futebol.

Apesar de ter sido encerrada recentemente, “La Masia” ficará para sempre na memória, por ter formado jogadores como Guardiola, Xavi Hernandez, Lionel Messi, Iniesta e Cesc Fàbregas. Um local de culto na Catalunha. Os trinta anos em que esteve em funcionamento deixam um legado ao resto do mundo de como formar jovens promissores em profissionais de eleição. O futuro é risonho e o talento floresce todos os anos. Thiago Alcântara, que agora desponta no onze de Guardiola, é prova disso. As novas instalações oferecem todas as condições para potenciar ainda mais esta doutrina. Clubes de topo como Manchester United, Arsenal e Inter visitaram La Masia para colher alguma da sua sabedoria e tentar replicar o modelo entre portas.

Os clubes portugueses deviam seguir-lhes o exemplo com maior critério. Uma vez que a nossa formação vive dias complicados, um projeto como o de Barcelona é acima de tudo um garante de sustentabilidade e crescimento do jogador luso no futuro. Sabemos que o jogador português tem qualidade e características técnicas e físicas que se destacam. Temos futebolistas de nível mundial a brilharem em campeonatos de topo. Temos uma seleção de sub-20 na meia-final do Campeonato do Mundo. É preciso acordar e proteger o que nos diferencia dos demais. Descobrir em absoluto o nosso ADN futebolístico. Traçar programas a longo prazo, sem a pressão de gerar resultados imediatos e manter o rumo. Na perseverança estará o ganho. 

A chegada ao nosso campeonato de Nolito e Jeffren é uma oportunidade única para tentar perceber este fenómeno. Jogadores de enorme qualidade e que chegam com o selo de qualidade do clube catalão. Veremos como evoluem. O arranque tem sido promissor.

Presentemente, a força do tiki-taka parece não conhecer limites. A prová-lo, o domínio do Barcelona nos últimos vinte minutos da primeira mão da Supertaça frente ao Real Madrid. Assim que começaram a entrar os habituais titulares, nomeadamente Xavi, o controlo do jogo e do resultado por parte da equipa catalã foi total. Os artistas de Mourinho bem que tentaram fintar o destino, mas sem sucesso. O Real Madrid, como outros que defrontam este sistema, deixou uma imagem final de algum desnorte e desespero. Não ter a posse de bola destrói qualquer plano de jogo e mina a serenidade dos jogadores. É precisamente por terem a bola do seu lado que o Barcelona e o futebol espanhol vão construindo as suas vitórias. A palavra, neste momento é deles.

(Pedro Mota é um adepto atento e especialista no fenómeno futebolístico)