Joguem à bola, meus senhores! | Relvado

Joguem à bola, meus senhores!

Quantos lances de ataque terminam num atacante a desistir do lance assim que sente o mínimo toque, q
 
Râguebi: campeonato do Mundo
Lusa

Por estes dias decorre o Campeonato do Mundo de Râguebi na Nova Zelândia. Apesar dos jogos passarem a horas impróprias, fruto de uma diferença no fuso horário nada simpática, tenho conseguido ver algumas partidas e constatar o óbvio: o fairplay e o desportivismo imperam sempre. O respeito pelas leis do jogo, pelo adversário e sobretudo pelos adeptos contrasta em absoluto com o que se passa no futebol. Dou por mim a fazer esta comparação constantemente. Há quem diga que a natureza física do jogo do râguebi obriga a que haja esta ordem e disciplina. Penso que é mais do que isso. Existe uma cultura de honestidade que está subjacente ao jogo de râguebi e que infelizmente não está presente durante os noventa minutos de uma partida de futebol. É pena que assim o seja. 

O desporto rei é fértil em enredos de toda a espécie. Dentro e fora do relvado. Dentro das quatro linhas, é rara a jornada que não esteja envolta em polémica por este ou por aquele lance mais "complicado". O alvo a abater acaba por ser sempre o mesmo: a arbitragem. Escrutinam-na duramente, acusando-a de ser fraca e tendenciosa mas acho que também se devia olhar seriamente para o comportamento dos atletas. Muitas vezes são eles que trazem para o jogo um elemento de desconfiança. O seu comportamento errático e enganador acaba por contagiar os outros intervenientes na partida e instalar a confusão.

O jogador de futebol é assim. Capaz do melhor e do pior. Consegue finalizar uma jogada de forma genial para no momento a seguir simular uma falta, dando origem à expulsão injusta do seu marcador directo. Porquê aplaudir um jogador que devolve a bola ao adversário depois de uma pausa para que um colega seja assistido, se no momento a seguir ele mergulha na área para tentar ganhar um penálti? E o tempo gasto pelos guarda-redes nos pontapés de baliza? Quantos lances de ataque terminam num atacante a desistir do lance assim que sente o mínimo toque? Quantos golos ficam por marcar quando se opta imediatamente por ganhar uma falta, ainda que esta seja em zona vantajosa? Tudo isto está longe de fazer sentido.

O gesto infame de pedir ao juiz da partida a mostragem de cartões é para mim um acto abominável. O cartão amarelo é banalizado, jogo após jogo, quando vemos um atleta profissional a forçar o cartão para cumprir o castigo em data mais conveniente. O insólito surge quando um jogador comete a ingenuidade de o tentar fazer através de uma demora propositada num lançamento lateral. O espaço de tempo decorrido entre as hesitações coreografadas do jogador que ameaça lançar a bola e os segundos levados pelo árbitro até decifrar este triste espectáculo resulta invariavelmente num pequeno sketch de comédia.

A falta de ética e fraca conduta desportiva são duras realidades para um desporto que procura uma maior transparência. Erradicar certas habilidades e artimanhas não será fácil. Quem o quiser fazer enfrenta uma tarefa hercúlea, pois estes "ensinamentos" são perpetuados de geração em geração. Os craques do amanhã imitam os gestos dos seus ídolos no presente. Não deixa de ser curioso que certos actos genuínos de fairplay tenham tão grande divulgação nos media. São raros nesta modalidade e por isso mesmo constituem notícia.

O futebol como o conhecemos em Portugal é useiro e abuseiro neste tipo de situações. Ninguém ganha com isto e os números não mentem. O tempo de jogo útil tem vindo a descer vertiginosamente e a qualidade dos jogos deixa muito a desejar. O constante "pára-arranca" é agonizante e vai corroendo o tecido do futebol luso.

É lugar comum dizer que estes actos fazem parte do jogo. Pois fazem e por isso mesmo é que está tudo errado. Joguem à bola, meus senhores!

(Pedro Mota é um adepto atento e especialista no fenómeno futebolístico)

Opinião:

Comentários [3]

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Diferenças...

Alguém disse que o Rugby é um jogo de brutos jogado por Cavalheiros e o futebo é um jogo de Cavalheiros jogado por brutos...
Não poderia estar mais de acordo... Mas, caro Pedro Mota, o tipo de joguinho que descreveu não interessará mesmo a muita gente?? Eu acho que sim...

Uma última nota... não sou grande seguidor ou apreciador de Rugby mas quando vejo um jogo reparo que um árbitro quando apita uma falta ou acontece algo mais controverso, tem oportunidade de "in loco" e para todos ouvirem no estádio, explicar a decisão... Isto, parecendo que não, ajuda... e muito.

SL

parabéns!

excelente texto... ontem foi mais um mau exemplo...

Fez menção ao meu desporto

Fez menção ao meu desporto favorito com uma excelente dissertação comparando alguns dos seus valores ao futebol, merece todo o meu respeito e apoio. Bem-haja! Um oásis num autêntico deserto.