Crónica: As palavras de Miguel ou a "noite" revisitada

Esta é uma questão recorrente, vivida nos bastidores do futebol. E, sobre ela, não existe consenso, nem mesmo entre os profissionais ligados ao “ramo”.É um problema sensível, principalmente por envolver aspectos relacionadas com a liberdade individual e o direito à privacidade.Um cidadão comum, poderá fumar com regularidade e sair à noite três vezes por semana, que isso não será notícia, certamente. Poderá ser, quando muito, alvo de censura vinda da esfera familiar ou do médico assistente, se o tiver.A sua liberdade poderá ser eventualmente limitada, por não dispor de condições económicas, que suportem as despesas inerentes a este tipo de passatempos.Poderá também ter problemas de ordem profissional, se isso afectar o seu trabalho, em termos de rendimento ou de pontualidade.De facto, mesmo um trabalhador comum, mormente com uma profissão que faça apelo ao esforço físico, não é crível que possa sair para a farra, três vezes por semana.Ele não poderá dizer ao patrão que tem todo o direito de se divertir à noite, se tiver sido apanhado a dormitar na secretária ou a um canto da oficina. Quanto mais não seja, porque o patrão, sensibilizado com a sua falta de descanso, poderia dizer-lhe para dormir em casa, confortavelmente, até arranjar um novo emprego. E eles, infelizmente, não estão aí ao virar da esquina. Os cento e cinquenta mil prometidos, ainda ninguém os viu.Neste caso, estamos a falar de pessoas com rendimentos relativamente modestos. Pessoas que, se perderem o emprego, colocam imediatamente em crise a família e a si próprios. Donde, a sua liberdade não é assim tão “livre”.Convém não esquecer que uma percentagem muito significativa dos “clientes” do futebol, são pessoas de pequenos recursos e que convivem com este tipo de problemas.Ora, um jogador de futebol, mediático, ganha num ano, aquilo que muitos trabalhadores nunca chegam a ganhar numa vida!Deste modo, quando o adepto ou o sócio observa uma prestação medíocre, por parte de um atleta que reconhecidamente frequenta “a noite”, lança imediatamente o grito de revolta que se espalha pelas bancadas, num clamor. “Vai trabalhar malandro!” e/ou “Ando eu a vergar a mola para pagar as quotas e o bilhete, e este gajo a treinar, durante toda a noite, nas boites”. “Rua!”.E, muitas vezes, por estes e outros motivos, passado algum tempo, o jogador começa a cair em desgraça. Todos nós conhecemos exemplos destes. Muitos!Com este envolvimento social, não faz grande diferença que médicos ou treinadores venham advogar, a favor ou contra, este tipo de hábitos. As condicionantes económicas e as suas implicações no tecido social, serão, pelo menos nos tempos mais próximos, determinantes para o “julgamento popular” deste tipo de comportamentos.Afinal, se não são hábitos recomendáveis para a generalidade das pessoas, como o podem ser para atletas de alta competição?O jogador tem direito a divertir-se à noite? Tem. Três vezes por semana? Seguramente que não. É uma questão de bom senso.A “vida de jogador” é breve. Quando pendurar as botas, tem ainda todo o tempo do Mundo, para acertar essas contas!As declarações do Miguel foram corajosas. Pelo menos não é hipócrita. Oxalá não se venha a arrepender das “saídas” e do “fumo”.Das palavras, porém, nunca se deverá arrepender.Manuel Leão