Crónica: O rolo compressor da Luz | Relvado

Crónica: O rolo compressor da Luz

 

Esta é uma análise de fora para fora, de quem é incapaz de pôr o cachecol vermelho nem que seja por brincadeira e que olha a equipa da Luz
com o habitual soslaio de desdém, mas sem conseguir deixar de se deslumbrar com o futebol apresentado este ano. Uma análise desprovida
de justificações, que dispensa erros de arbitragem e não está sequer interessada em mencionar os mergulhos de Aimar nem as idas de
Rui Costa ao fundo do túnel. Uma análise que se centra em futebol de relva, no puro futebol que o Benfica joga e que pode,
a manter-se assim, fazer com que a nossa geração volte a presenciar uma das mais entusiasmantes equipas da história do futebol português.
Não serve de parabéns, porque ainda não ganharam nada. Nem é justa, porque será sempre injusto que algum portista dê os parabéns ao Benfica
depois de quase 30 anos de conquistas ensombradas por uma azia doentia da maioria dos seus adeptos. Mas - e apesar da derrota do Benfica
em Braga levar a que muita gente não concorde comigo - é um retirar do chapéu, uma vénia ao adversário, um admitir que esta será a mais
dura batalha interna dos últimos anos e que, se ganharmos o título, será mais saboroso do que poderíamos inicialmente imaginar.Muito se tem falado na equipa de Jorge Jesus e nas numerosas goleadas com que o Benfica enche capas de jornais quase todas as semanas,
no ressurgimento de jogadores como Aimar e Saviola ou no definitivo explodir de outros tantos que tardavam em aparecer, como são os casos
de Di Maria, Fábio Coentrão ou, até mesmo, Óscar Cardozo, de quem se sentia que podia dar muito mais à equipa do que aquilo que
lhe permitiram dar nas últimas épocas. E todo esse mediatismo e euforia, ao contrário dos últimos anos, tem razão de ser.E tem razão de ser porquê? Como é que o Benfica continua a golear e a convencer tudo e todos, ao ponto de já se começar a sentir que os
adversários vão à Luz condicionados pelo receio de sair de lá vergados ao peso de uma derrota humilhante? É para encontrar resposta a isso
que interessa tentar perceber também o outro fenómeno, que é aquele que dá origem a tudo isto: o fenómeno que se vive dentro das quatro
linhas...Com Jorge Jesus a dispor a sua equipa num 4-1-3-2 muito dinâmico a nível táctico, o Benfica adopta uma postura de grande intensidade e
domínio desde o primeiro minuto de jogo. Pressão alta e atitude máxima quando a equipa não tem a posse de bola; olhos na baliza, grande velocidade
de execução e futebol a 2 toques quando a recupera e parte para o ataque. Basicamente, o Benfica tem vindo a conseguir jogar o futebol
com que muitas equipas sonham e quase nenhuma consegue jogar... Com os primeiros 15 minutos sem direito a um único segundo de descanso,
a equipa tenta resolver logo aí o jogo. Não deixa que o adversário tenha sequer tempo para dizer ao que vem nem para esboçar uma reacção,
assumindo a ousada atitude ofensiva desde o pontapé de saída e sem receios. E o que mais espanta é que a equipa mantém o ritmo altíssimo até
aos 90 minutos. Isto não é fácil de conseguir e, além da organização estrutural e da qualidade de jogadores necessária para executá-lo,
exige uma grande disponibilidade física e mental, bem como muita confiança da equipa nas suas próprias capacidades. Este Benfica sabe o
que quer e sabe como deve fazer para o conseguir.Quem garante o primeiro equilíbrio é Javi Garcia. Inteligentíssimo, é o homem que lê o jogo da equipa e que dá garantias aos laterais e
aos outros médios para poderem subir e criar superioridade numérica no ataque. Garante-lhes cobertura e tempo para recuperar a posição.
Normalmente, com uma falta cirúrgica à saída da área contrária sempre que o adversário ameaça uma transição que vai comprometer o equilíbrio
encarnado. Quando não o consegue fazer, aparecem outros jogadores a matar as jogadas – David Luíz também o faz com saber, bem como
Ramires ou Cardozo. Quanto a mim, esse é o grande segredo deste caudal ofensivo que o Benfica apresenta, no qual só encontro
paralelo no futebol praticado pelo Barcelona. Ambas as equipas conseguem apresentar uns impressionantes 6 a 7 jogadores nas imediações
da área quando atacam e isso só é possível pela inteligência táctica do 'responsável' pelo meio-campo, que se encarrega de proteger a
equipa. No Benfica é Javi Garcia, no Barcelona quem faz esse papel é Xavi.O segundo equilíbrio na equipa encarnada é dado por Ramires. Elo de ligação entre todas as partes, o brasileiro sabe movimentar-se
como ninguém a toda a largura e a todo o comprimento do campo, ocupando as zonas interiores com a mesma clareza de ideias com que surge
mais encostado à linha ou ao 2º poste a finalizar. Exímio nas transições, pela velocidade que imprime e pela qualidade de passe que dá à
equipa, é um pêndulo tanto a atacar como a defender e consegue aparecer sempre a tempo nas duas extremidades do campo. Um verdadeiro joker.Na frente, 4 jogadores fazem a diferença e tornam o futebol do Benfica tão seguro no passe e tão rápido nos movimentos e nas triângulações
quanto ofensivo e finalizador: Aimar, Di Maria, Saviola e Cardozo. Com liberdade de movimentos, Aimar faz o papel de Javi na primeira
fase de construção, surgindo em zonas recuadas a pegar no jogo e dando ao miolo a criatividade e o talento de tomar quase sempre a melhor opção,
seja a assumir o papel de portador da bola ou a encontrar espaços vazios onde a colocar. Entre linhas, confundindo a marcação, aparece
alternadamente com Javier Saviola, o qual baixa no terreno à procura de desposicionar o adversário e, também ele, abrir espaço para a penetração
na área de todos os companheiros. O camisola 30 tem liberdade para deambular pelo ataque conforme mais lhe convém e é exímio na desmarcação,
aparecendo por diversas vezes entre os centrais a finalizar. Pela esquerda, com muito mais liberdade criativa do que Ramires, surge Di Maria.
Irrequieto, desiquilibrador, rápido no drible, velocista a ganhar a linha, é ele quem dá largura ao ataque e melhor explora o corredor
lateral, esticando o futebol do Benfica quase sempre para o lado esquerdo. Os adversários sabem, mas pouco há a fazer. O ponta-de-lança, letal,
bem aproveitado agora, é Oscar Cardozo. Ponto de referência de uma equipa que cria dezenas de oportunidades de golo durante os 90 minutos, que
para ele joga ou com ele se isola. Frio, esguio e poderoso, é ainda tremendamente eficaz nas bolas paradas.E é precisamente nas bolas paradas que este Benfica se revela espectacularmente preparado. Dizia Jorge Jesus que as bolas paradas são
a 5ª fase de um jogo de futebol. Digo eu que não concordo, porque, a ser assim, as bolas paradas também terão de se dividir em “ofensivas” e
“defensivas" e, nessa perspectiva, seriam 6 e não 5 as fases de jogo. Mas adiante... Interessa é dizer que, tanto a defender como, sobretudo,
a atacar, a equipa de Jorge Jesus não precisa de muitas oportunidades para fazer golo. Todos sabem como se movimentar, todos sabem onde
devem aparecer... e o Benfica lá faz mais um golo. 6-1, 0-4, 5-0, 8-1... Parece tão fácil marcar golos!No fim, ficam as questões frequentes: como se anula este Benfica? Que estratégia montar para abafar o seu poder ofensivo e explorar as
suas potenciais fraquezas a nível defensivo? Até quando vai isto durar? Será que esta equipa aguenta jogar assim durante 10 meses?
Conseguirá o Benfica, assim que precise, gerir tão bem o resultado quanto consegue ir atrás dos golos? Terá algum dos seus rivais potencial
para contrariar esta máquina que, quando liga o interruptor, parece impossível de segurar?Eu digo, em jeito de conclusão, que se Porto e Sporting chegarem a Fevereiro a uma distância não superior a 6 pontos de desvantagem em relação
ao Benfica... qualquer um deles pode ser campeão em Maio. O Benfica não vai aguentar o ritmo. Caso contrário... serei o primeiro a dar-lhe
os parabéns pela extraordinária lição de futebol que deu ao país este ano.artenigma

Benfica:

Comentários [88]

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CARA SUSANA

Cara editora, Em primeiro lugar, obrigado pela sua réplica, que muito apreciei. Compreendo e aceito o seu reparo quanto à escolha porventura pouco acertada do contexto em que submeti as minhas observações críticas quanto ao funcionamento do Relvado. Nesse sentido, tem toda a razão em colocar em evidência a crónica em questão e os altos valores que a mesma traduz que me parece todos (ou quase todos) neste fórum partilham. Perdoar-me-á, contudo, se já não posso concordar consigo quando sugere que os comentários que efectuei são uma fuga para fait divers. Permitir-me-á que insista mas continuo a crer com toda a firmeza que a resolução dos problemas que apontei é absolutamente central para o bom funcionamento do Relvado. Não foi – nem é agora- de maneira nenhuma a minha intenção sugerir que esses problemas são da sua responsabilidade. Não contesto que diariamente procura dar o melhor contributo para que o Relvado possa ser o melhor fórum possível e também não ponho em causa que não tem de fazer um relatório constante aos relvinhas das suas intervenções, nem de justificar repetidamente as opções tomadas ou a noticiar os nicks banidos, ou sequer as normas de conduta que devem reger o fórum. Tudo isto são obviamente prerrogativas que lhe assistem e que é natural que exerça com ampla margem de discricionariedade. Sem querer uma vez mais, por em questão essas prerrogativas, parece-me, no entanto, uma resposta demasiado fácil refugiar-se no argumento simplista de que não há fórmulas ideais para alcançar a perfeição e que se todos sabem quais são as regras aplicáveis todos as transgridem de tempos a tempos. È verdade que não há formulas ideais, mas também é inegável que há certamente fórmulas mais ou menos próximas desses mesmos ideais e, nesse sentido, o facto de se permitir a proliferação de comentários insultuosos ou onde a linguagem descamba sistematicamente para o intolerável, parece-me, com toda a sinceridade, muito longe de quaisquer ideais. Se as regras existem, mas são mais ou menos sistematicamente ignoradas ou não são aplicadas, então de pouco servem. Se me disser que, por exemplo, a discussão recente entre os utilizadores Catota e Omaiorcádosítio a propósito do jogo Rio-Ave / Sporting lhe parece ter respeitado os limites mínimos do que é aceitável em qualquer fórum de discussão público, então deixarei de insistir. Do meu ponto de vista, considero incompreensível que discussões deste tipo possam ser toleradas. Que alguns utilizadores pisem a relva, como diz, com modos de touro furioso, muito bem, mas, até aos touros há que colocar limites… PC

Re: Que rumo para o Relvado?

Obrigado pelas palavras, Susana... :) Mas não posso deixar de lhe dar razão numa coisa: cada vez que escrevo um artigo sobre futebol, os comentários são infinitamente em menor número do que aqueles que respondem aos artigos da polémica. É um facto. Melhores cumprimentos e obrigado uma vez mais, gostei de ler... ;)