Quanto vale um número nove? | Relvado

Quanto vale um número nove?

A vida de um número nove é singular: ou marca ou fica marcado, escreve Pedro Mota na sua habitual cr
 

Quando falamos da ligação emocional entre jogadores e adeptos de um clube, há uma relação que sobressai pela sua intensidade e imprevisibilidade. Falo da relação amor-ódio entre o ponta de lança e a sua exigente plateia. Quando as exibições correm de feição e os golos fluem, o avançado goza de uma fama e de um estatuto ímpar no mundo de futebol. Se os golos são o seu caminho rumo à glória, também eles poderão ditar o seu fracasso enquanto profissional. Quando estes escasseiam, seja porque motivo for, a vida de um ponta de lança torna-se muito difícil. É esta a lei pela qual se regem os strikers.

Um número nove vive para os golos. Quantos mais for marcando, maior é a sua motivação para continuar a marcar. Será talvez o único jogador em campo a quem se aceita algum excesso de individualismo. Sempre de olhos postos na baliza, nunca irá enjeitar a oportunidade de tentar o golo. Convive, a cada jogo, com o tudo ou nada. Por muito que corra, passe ou assista os colegas, o que mais deseja é celebrar os seus golos junto de um público que o idolatra. É fantástico observar um bom avançado de área no pico da sua forma, pois cada vez que intervém no jogo cria perigo e acelera o ritmo da partida. Quando o faz durante os 90 minutos, o jogo ganha uma dimensão extra para os espetadores.

Em Portugal, bem como noutros campeonatos europeus, um avançado vive dos números que apresenta. É um escravo da estatística e vale x número de golos em x partidas. É esse o seu cartão de visita e são eles que enchem as páginas dos jornais e abrem os noticiários. Todos queremos saber como andam os nossos homens-golo.

No Benfica prossegue a saga de um Cardozo que desperta a ira dos adeptos a cada toque desajeitado na bola mas que, época após época, vai somando golos ao seu currículo. Refila com as bancadas quando estas o assobiam e amua quando as coisas não lhe correm de feição. Mas assim que marca passa de besta a bestial num ápice, numa relação intensa e com os nervos à flor da pele que é já uma imagem de marca do seu relacionamento com os adeptos benfiquistas.

O FC Porto vive a era pós-Falcao, que já se sabia que não ia ser fácil. Após a aposta clara em Kléber num início de época prometedor e das experiências com Walter, a escolha parece ter recaído em Hulk para desempenhar a função de matador. A equipa parece ganhar com essa opção e parece agora mais estabilizada.

O Sporting, por sua vez, encontrou em Wolfswinkel um talismã capaz de fazer esquecer Liedson. O jovem holandês é já uma certeza e cresce a cada jogo que passa. Já se nota que tem uma relação especial com o golo e que aparece sempre no sítio certo para finalizar os lances do ataque.

Um dos maiores desafios para um treinador é lidar com a fragilidade emocional que caracteriza a maioria dos pontas-de-lança. Os altos e baixos fazem parte da carreira deste tipo de atleta e há que saber conviver com eles. O caso mais surpreendente na Europa terá forçosamente que ser o de Fernando Torres. El Niño sofre de uma tremenda crise de falta de confiança e isso nota-se em cada lance que disputa. Jogador de uma técnica apuradíssima, aparece muitas vezes alheado do jogo e a sua seca de golos já se arrasta há duas épocas. Contratado ao Liverpool por uma soma astronómica, Torres sente como nunca a pressão de ter que começar a marcar. Caiu no pesadelo de todos os pontas de lança e esperemos que consiga dar a volta. O Chelsea e André Villas-Boas precisam dele para o que falta da época para combater o poderio de Manchester.

É esta a vida de um número nove e não há volta a dar. Ou marca ou fica marcado. Os adeptos assim o decidiram.

(Pedro Mota é um adepto atento e especialista no fenómeno futebolístico)

Opinião:

Comentários [2]

Seleccione a sua forma preferida de visualização de comentários e clique "Guardar configuração" para activar as suas alterações.

O Nº 9 pode ser muito importante... ou não!

Ao longo dos tempos, o avançado centro, ponta de lança, goleador, enfim, chame-se o que se quiser, tem sido um elemento fundamental de todas as boas equipas, aquelas que aspiram a ganhar competições importantes. Todas as grandes equipas tinham o seu 9 de valor ainda que com características e formas de jogar diferentes mas sempre com algo em comum: o faro do golo, a capacidade de adivinhar o lance e chegar lá no momento certo antes dos defesas! Participando mais ou menos no jogo da formação que representam, vindo mais atrás em busca de ajudar na construção dos lances ou ficando na frente à espera do momento, sendo o primeiro dos defesas na recuperação da bola ou entregando essa tarefa aos outros, descaíndo para as laterais em busca de mais espaço ou ficando no meio para ser o primeiro a chegar, obrigando as equipas em que alinham a jogar para eles ou sendo capaz de se adaptar ao jogo dessas equipas, todos eles tiveram sempre um papel essencial na medida em que finalizavam, marcavam os golos que tornavam as suas formações temíveis e temidas!
Mas, recentemente, apareceu um clube, o Barcelona que joga sem o ponta de lança e mesmo assim consegue ser o melhor e ganhar todas as competições em que entra duma forma quase insultuosa! A sua superioridade é tão flagrante que se permite vencer as finais com goleadas, como ainda recentemente aconteceu na Champions e no Mundial de Clubes!
Será que esta equipa vai fazer moda e que os nº 9 vão desaparecer dos campos de futebol? Não me parece! No Barcelona, com os jogadores que tem e que mais nenhuma equipa tem, ele é dispensável e talvez até um anacronismo, mas nas outras formações não vão desaparecer!

Nº 9 ou Ponta de Lança...

Caro Pedro boa tarde e os meus cumprimentos.Na generalidade é verdade o que afirma e são conhecidos
vários nº 9 desde um Muller ou um Pierre Papin, para não irmos mais longe. No entanto, deixe que lhe diga
que há muitos anos ouvi alguém que sabia muito de futebol e que dizia: MUITO MAIS IMPORTANTE DO QUE
QUEM JOGA (jogadores) É A FORMA COMO SE JOGA (equipas)...Transportando-me para a actualidade, veja
lá se consegue descortinar um 9 ou ponta de lança na equipa do Barcelona! Consegue? Parece-me que não
e não é por isso que o Barça fica aquém de qualquer outra equipa a nível mundial? Porquê? Lá esta, a tal
forma como joga...Voltando ao nosso burgo vamos então falar do Cardozo,pois como benfiquista é o caso
que mais me interessa! PONTO 1-O Cardozo não se zanga comigo nem me manda calar porque não sou de ir para o estádio assobiar seja quem for, não abdicando de fazer as minhas críticas se o entender. PONTO 2 Houve no Benfica 2 pontas de lança que não eram melhores de bola do que o Cardozo, José Torres e Manich,
para não irmos ainda mais longe (não sei se são do seu tempo) mas, e há sempre um mas, tiveram a sorte
de na seu tempo as equipas do Benfica normalmente faziam um futebol diferente. PONTO 3-Considero que
o Cardoz é um grande goleador mas é um "CRIME" que durante a maior parte de um jogo tenha que receber
a bola de costas para a baliza.PONTO 4-Vou dar 2 de muitos exemplos que poderia referir: Há dias na Luz
como os romenos um golo (qualquer um fazia?) na sequência de um atraso da linha de cabeceira feito pelo
Gaitan! Quantas mais jogadas houve como aquela no resto do encontro? Há 3 anos(?) também na Luz, com
o Belenenses, fez um golão de cabeça também num centro quase da linha de cabeceira! Quantos centros é
que se viram mais durante o resto do jogo? PONTO 5- Com tal percentagem de jogo carrilado pelo centro do
terreno, normalmente contra tantas pernas e corpos que estão a defender de frente para a bola, pergunto se
valerá a pena utilizar um elemento com as características do Cardozo, pensando eu que de facto não...
Saudações desportivas e benfiquistas.