A Crónica da Semana

Carpe Diem (mas com um pouco mais de azul)!
por João Lopes

Vários dias são já passados sobre a final da Taça UEFA. Espantosamente, para
mim, que estive no Estádio Olímpico de Sevilha, o espectáculo ainda não
terminou, prolongando-se num caleidoscópio de sensações entre as quais avultam a
nostalgia (o que foi já não voltará a ser) e a fortuna (no sentido de ter tido a
felicidade de estar onde estive).

As paixões, é sabido, provocam «graves atrasos mentais», alienação, distorção
conceptual, etc., mas têm igualmente o condão, quando partilhadas, seja com uma
só pessoa ou com uma multidão, de nos devolverem um sentido de inocência e de
completude que nenhum outro estado de alma permite sequer sonhar.
E ali estava eu, com um cachecol na mão (eu de cachecol, imagine-se!), com a
minha filha ao lado, com um total sentimento de solidariedade para com
aqueles milhares, os «nossos», que gritavam a plenos pulmões pela cidade, pelo
país, por sei lá o quê! Mais do que nunca, todos aqueles pareciam um só e
não era eu que
me atrevia a contradizê-los.

E lá fomos todos pelo sonho dentro, incendiado quando aquele inabalável
pequenino chamado Derlei empurrou para o primeiro. Os nossos incentivos,
apregoados desde muito antes do início do jogo, recrudesceram na noite tórrida
da Cartuja. O clamor escocês pós-empate não nos calou, até porque, um fôlego
volvido, outros dois pequeninos («vocês sabem de quem estou a
falar!») nos projectaram de novo para as nuvens.

Ao meu lado, em pleno destempero emocional, a minha filha chorava! Que coisa
é esta que nos põe assim?
Não houve tempo para responder porque em menos de nada o justiceiro do outro
lado devolveu às hostes celtas aquilo que retirou das nossas bocas. Durante
largos minutos, o cansaço pareceu ter-se apoderado de todos nós, tudo minando,
vontade incluída. Tantos quilómetros, tanto esforço, tanto suor, tanto
coração (aguentaria o coração?)... Iria tudo ser em vão? Tombaríamos nos
Infernos, no
Hades mais rude, depois de vermos a outra margem à distância de um
braço?

Nunca! Tal como Aquiles, que ludibriou Caronte, o barqueiro dos Infernos e o seu
tremendo mastim Cérbero, surgiu de repente e de rompante, vindo do nada, ou
vindo do fundo do seu próprio esgotamento, o nosso pequenino Ninja, que
num vibrante golpe de energia derruba as duas torres que com impotente
desespero se lhe procuravam opor.
Cheque-mate! Rebenta o dique de todas as emoções. A minha filha desfaz-se em
lágrimas, o «nosso» povo sente que Ítaca vai finalmente ser alcançada. O
nosso Aquiles jaz no chão, exausto, literalmente engolido pelos indómitos
companheiros, e, ainda que de forma virtual, por todos nós também, que
gostaríamos de lhe agradecer o ter-nos recompensado de forma tão generosa. Nós,
que naquele momento sentimos mais do que nunca que valeu a pena, até porque
nunca a alma foi pequena. Nós, que sentimos projectado na noite de breu um
pouco mais de azul. Um pouco mais de nós.

Para fim de festa um coro de afinação nunca vista, aconchegado por uma
verdadeira miríade de cachecóis, lembrou ao mundo que S. Jorge venceu o
Dragão, mas foi impotente para segurar os filhos (do Dragão). Deles ficámos
tributários e com eles partilhamos um maravilhoso espectáculo de policromia e
polifonia, ajudados por uns celtas que nunca abandonam os seus e que nos
ajudaram a compreender que é na adversidade que o incentivo é mais
necessário.

Carpe Diem! Já me haviam recomendado à saída do Porto. Para não contrariar a
recomendação, estendi a fruição por uma semana, com eventual prolongamento
ad eternum...

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