(E) Tudo isto é normal

Nota: artigo enviado após o França vs Portugal (antes do Dinamarca vs Portugal)

Após o desastroso Mundial no Brasil, pediu-se a cabeça de Paulo Bento e a renovação da Seleção. A primeira não se satisfez imediatamente; a segunda, Paulo Bento tentou fazê-la, interrompendo o trabalho depois da sua saída. Nos dois casos havia unanimidade. Sobre Paulo Bento falaram-se muitas coisas, desde a sua teimosia e a sua incompetência. Sobre a segunda era premente a renovação da Seleção porque jogadores como Raul Meireles, Hugo Almeida, Hélder Postiga, João Pereira e mais alguns já tinham ultrapassado o prazo de validade (eram velhos) e estavam em declínio na carreira. Quer comentadores, quer a opinião pública, quer treinadores/comentadores se reuniram na defesa da tal renovação.

De igual forma, surgia a ideia segundo a qual a Seleção devia ter um núcleo duro de jogadores que fossem o núcleo de uma equipa, tal como havia sucedido na Seleção de 2004, com jogadores provenientes do FC Porto. Sobre isto também havia unanimidade. Com efeito, diversas vezes se ouviram comentadores afirmarem que a Seleção estava precária de um núcleo de jogadores que constituíssem o núcleo de uma equipa, sendo frequentemente dado o exemplo da Seleção de 2004, que fora constituída em torno dos jogadores provenientes do FC Porto.

Ambas as unanimidades eram axiomáticas: era necessário a renovação, e também construir uma Seleção que fosse constituída por um núcleo de jogadores provenientes de uma equipa.

Assim, despediu-se Paulo Bento e entrou Fernando Santos. A tão falada renovação passou por Ricardo Carvalho, que tem 36 anos; Tiago, que tem 33; Danny, que tem 31 anos; Quaresma, que tem 31. Juntou-se-lhe mais umas chamadas de jogadores, como João Mário e Ivo Pinto, e eis que a renovação estava realizada. Surpreendentemente, a unanimidade sobre a renovação desapareceu. Os comentadores deixaram de falar dela. E tudo isto é normal.

A unanimidade sobre a ideia segundo a qual a Seleção devia ser construída a partir de um núcleo duro de jogadores provenientes de um clube, porque teriam as suas rotinas adquiridas, poderia ter sido realizada hoje mais do que nunca. Com efeito, o Sporting forneceu 6 jogadores à Seleção, todos eles titulares no clube. Ora, se se dizia que a Seleção de 2004 foi o que foi porque foi constituída por jogadores do FC Porto, nada melhor do que ter mais de metade da Seleção constituída por jogadores de um clube. Seis (6) no total, e com qualidade garantida: Rui Patrício na baliza; Cédric na direita; William Carvalho a trinco; Adrien; João Mário; e por fim Nani. A qualidade destes jogadores é indiscutível. A qualidade do futebol praticado pelo Sporting é reconhecida pelos comentadores. Mas o que sucedeu? Destes, apenas Rui Patrício, Cédric e Nani foram titulares. Em vez de Adrien, João Mário e Willliam, entregou-se a titularidade a Tiago (o tal jovem que veio para a renovação), João Moutinho (provavelmente o menos questionável, mas sem que por isso seja criticado o seu lugar cativo), e André Gomes (um jovem de quem os comentadores falam muito bem e lhe veem muito talento). Adrien nem saiu do banco.

Aquilo que poderia ser a base da Seleção, com a vantagem de constituir-se o meio campo com jogadores com rotinas de jogo de há dois anos, não é. Aquilo que era unânime, passou a esquecimento. E tudo isto é normal. Tudo isto é normal. Assim como é a Seleção ser para uso de empresários, presidentes, diretores, empresas e marcas de equipamentos, deixando de ser o que devia ser. Isto é dito à boca cheia, mas parece que ninguém é capaz de fazer o que quer que seja, porque tudo vai bem quando o dinheiro entra no bolso. E tudo isto é normal.

Meus senhores comentadores, ganhem vergonha na cara. Sejam esclarecidos. Não se escondam agora só porque se mudou de selecionador. Porquê esse silêncio agora quando havia tanta unanimidade?