O que une Guttmann e Jesus apenas os separa no tempo!

Bom, são vários os treinadores que nos anteriores 81 campeonatos treinaram os Grandes em Portugal. Todavia, poucos transitaram de forma direta. Historiando os seus nomes: Szabo, Otto Glória, Guttmann, Riera, Hagan, Pavic, Artur Jorge, Ivic, Robson, Fernando Santos, Mourinho, Jesualdo e, finalmente, Jesus, todos eles treinaram em períodos distintos os Grandes clubes de Portugal!

Daqueles 13 treinadores, apenas quatro transitaram entre Grandes de forma direta: Guttman (do FC Porto para o Benfica), Otto Gloria (do FC Porto para o Sporting), Robson (do Sporting para o FC Porto a meio de uma temporada, caso único), e Jesus (do Benfica transitou para o Sporting).

Porém, apenas 4 treinadores tiveram o privilégio de treinar os 3 Grandes: Glória (também treinou o 4.º Grande de então, o Belenenses), Riera, Fernando Santos e Jesualdo.

Todavia, entre todos esses 13 treinadores, apenas dois, após se sagrarem Campeões Nacionais, transitam de forma direta para os rivais: Guttmann é campeão nacional no FC Porto e na temporada seguinte segue para a Luz. Jesus sagra-se, neste caso, bicampeão nacional no Benfica e na temporada seguinte treinará o vizinho Sporting!

Mas entre Guttmann e Jesus é muito mais o que os une do que os separa no tempo: se Guttmann entrou no Benfica em 1959, Jesus chegou ao Benfica no século seguinte, no ano de 2009. 50 anos os separa, mas muitas particularidades os unem, sobretudo em termos do ressurgimento desportivo e financeiro do Benfica. Vamos então falar um pouco do que os une!

Um livro com a biografia de Guttmann tem passagens bem interessantes e que revelam um pouco a personalidade dessa lenda do séc. XX!

Revelava Guttmann nessa biografia que nunca criava uma relação de grande afetividade com os clubes, abominava o fanatismo clubístico, e afirmava que era bem pago porque era competente, e estava nos clubes apenas a cumprir uma missão profissional, e tinha de a cumprir bem, justamente pelo preço elevado que cobrava!

Recorda passagens pelo FC Porto, por onde entrou em Portugal, e foi campeão em ano de estreia, no campeonato Calabote de 1959, para de seguida transitar para o Benfica. Anos mais tarde despediu-se de Portugal no FC Porto, e justamente na Revolução de Abril de 1974. Curiosamente, era Guttmann que estava no banco dos Dragões, quando Pavão se "despediu” do Estádio das Antas, ao minuto 13 na jornada 13 daquele dia de dezembro de 1973, numa tarde de chuva e cinzenta de domingo!

Na sua passagem pelo Benfica, referia que quando chegou os encarnados eram um clube de dimensão nacional. Quando entrou na Luz em 1959, o Sporting liderava com 10 Campeonatos, o Benfica juntava 8 títulos, e o FC Porto detinha 5 títulos nacionais. Isto é, o Sporting dominava em Portugal, anos antes tinha feito um tetra.

Guttmann deu ao Benfica títulos e prestígio internacional, prestígio esse embrulhado em títulos nacionais e sobretudo em 2 Taças dos Campeões Europeus (as únicas dos encarnados), justamente por isso refere que deveria ser bem pago, e era então o treinador mais bem remunerado na Europa. Mas acrescenta que quando chegou ao Benfica, cobravam 1.200 dólares por jogo particular; após as duas Taças dos Campeões conquistadas, o Benfica passou a cobrar 30.000 dólares por jogo particular, e sustentava: “por que razão não deveria ser eu o mais bem pago”?

Esse trecho final de Guttmann, quando refere que era um treinador muito bem remunerado, entronca em Jesus, e permite-nos fazer o "transfer". Será que os 4 M€/ano de Jesus faziam dele um treinador excessivamente dispendioso? Depende da perspetiva de cada um, mas provavelmente seria um forte investimento, mas com retorno...

Observando a componente desportiva/financeira, a aproximação ao FC Porto, ter potenciado Coentrão, David Luís, “inventou” Matic ou Enzo, e tantos outros, fez o Benfica renascer das cinzas desportivamente, e gerou extraordinários encaixes financeiros com algumas "invenções" brilhantes, que garantiram relativa sustentabilidade desportiva/financeira aos encarnados.

Bom, mas há quem refira que o Benfica investiu muito neste legado de Jesus, 30 M€/ano, isto em termos médios. Mas observando o investimento feito no reforço dos planteis dos seus antecessores, Quique em 2008/09 investiu cerca de 26 M€ e garantiu um 3º lugar, em 2007/08, Fernando Santos (despedido à 2ª Jornada), posteriormente Camacho, tiveram um investimento na ordem dos 38 M€, e carimbaram um 4º lugar!

E eu pergunto-te: quem foi o treinador mais caro? O Quique que ganharia uns 2 M€/ano, ou o Jesus que ganhava 4 M€/ano?

Continuando a sustentar as mais-valias desportivas, quando Jesus chegou ao Benfica em 2009, os encarnados tinham vencido 3 campeonatos nas últimas 20 temporadas, com Jesus venceram os mesmos 3 campeonatos em 6 épocas desportivas. Nesse mesmo ano de 2009, o Benfica não sabia o que era uma final europeia há 20 anos, os encarnados com Jesus alcançaram duas finais europeias numa dúzia de anos. O que seria hoje do Benfica em termos desportivos e financeiros sem o "druida" Jesus? Ninguém saberá, mas todos suspeitamos...

Nota final, e que entronca nas curiosidades iniciais. Em 81 campeonatos disputados em Portugal, foram poucos os treinadores a conseguirem um tricampeonato (vencer um campeonato três vezes consecutivas) : Hertzka (no Benfica na década de 30), Galloway (no Sporting na década de 50), Hagan (no Benfica na década de 70), Jesualdo (o único Português a consegui-lo, e no FC Porto neste século XXI), mas há outro treinador a consegui-lo e de forma particular, mas já lá vamos...

Pois é, Guttmann na fronteira das décadas de 50/60, com uma invulgar singularidade foi tricampeão português, mas em dois emblemas diferentes: FC Porto e Benfica. Pergunta final: conseguirá Jesus repetir a particularidade de Guttmann, e ser também tricampeão em dois clubes distintos?