Crónica: Uma questão de liderança

Uma questão de liderança,
por Susana Valente

Uma crónica de António Pinho Vargas no Diário de Notícias de sexta-feira, dia 21
de Abril, fala dos blackoutes no desejo de protecção dos balneários e da
influência que os média podem ter na vida dos clubes. No texto intitulado Blackout e as lentes dos média
o compositor considera que o facto de os centros mediáticos serem em Lisboa,
onde estão as redacções dos principais jornais e as sedes das Televisões,
protege de algum modo o "periférico" Porto, em detrimento de Benfica e Sporting,
cuja condição de clubes da capital os exporá mais ao interesse dos jornalistas.
Exemplifica com as avalanches de "contratações-fantasma" que em todos as épocas
de transferências se anunciam para o clube da Luz. A centralidade da comunicação
social (e de quase tudo o resto) em Lisboa não é o verdadeiro problema. A questão é outra e há também as tiragens, as audiências, e o encarnado é a cor que mais vende.

Não é apenas a mítica questão dos seis milhões de adeptos, mas um sentir o
clube que não tem paralelo. No Benfica tudo é vivido com o maior dos fogos, ora
numa alegria desmedida, ora no inferno da infelicidade. Não é à toa que se
diz que a economia recupera com os sucessos da águia! De facto sente-se essa
originalidade na paixão ao emblema, não que portistas ou sportinguistas tenham
menos clubismo. Mas sei lá! É uma fé que imbui de facto o seu estádio da
espiritualidade de Catedral. Serão resquícios dos tempos de grande glória, em
que o Benfica era O clube, o que ainda hoje lhe dá uma dimensão nacional tão
enraízada que faz a minha avó de 93 anos, que nem gosta de futebol, ser
benfiquista e nem conhecer quaisquer outros clubes.

É evidente que as intrigas que se perfilham no pão-nosso-de-cada-dia pelos
jornais existem por haver alimento para tal. Se um clube se encerra na sua
existência diária, escondendo-se na carapaça do blackoute, terá certamente um
balneário mais protegido. Mas não é só por aí que se fortalece um grupo de
trabalho. É preciso que haja um sentido de união que se estende desde
os jogadores, à equipa técnica, até ao corpo directivo. E é este o pecado da
Luz cujas portas não se conseguem verdadeiramente fechar. Há sempre pitadas
a transpirar para intranquilidade interna e regozijo dos adeptos que todos os
dias precisam do fermento para a alma do clubismo.

Só no Porto os blackoutes se consumam de facto e será porventura neste ponto que
o Porto ganha aos demais. Pinto da Costa centraliza o poder no Dragão
de um modo que nenhum dos homólogos nos principais rivais da capital
consegue. Não é à toa que alguns o denominam de "Papa", porque ele é a
unanimidade, até nas alturas de insucesso, numa religiosidade do emblema
metamorfoseado em carne.

Ora em Alvalade falta desde há muito uma liderança forte, alguém que configure
o Sporting como agregador dos adeptos. E em época de eleições não se vislumbra
entre os candidatos esse ícone de concórdia.

Na Luz, num estilo passível de crítica e a arremedar a postura conflituosa de
Pinto da Costa, Luís Filipe Vieira tem sabido manusear o clubismo
dos benfiquistas nesse entusiasmo irrepetível noutras margens. Mas Vieira não é
o Benfica do mesmo modo que o Porto é Pinto da Costa. Não é só por ter sido
presidente do Alverca, ou por ser sócio de Porto e Sporting, mas é sobretudo
por não poder dirimir as "birras" internas. Será porventura também uma
questão de estrutura - o reinado Pinto da Costa terá levado o seu tempo a
consolidar -, e não ajuda que o homem forte do futebol da Luz seja um portista
amargado. Apesar das competências que possa ter, Veiga apresenta-se como grande
trunfo do Benfica na medida do seu ódio ao presidente dos dragões. O ódio é
sem dúvida um óptimo propulsor para as conquistas, mas é sempre apenas uma das
faces do amor e isso nenhum benfiquista pode perdoar a Veiga. Quem poderá
realmente sorrir na leveza da satisfação dormindo com o inimigo em casa? É este
o detalhe fatal que promove azedumes, invejas e uma instabilidade que, quando
começa a aparecer nos jornais, aponta para o divórcio inevitável.