Saudades do relato

Bem, eu prefiro as transmissões televisivas repartidas, porque sou de uma geração que já cresceu com esse hábito. Por motivos quilométricos, houve apenas um ano em que fui regularmente ao estádio das Antas(quando pequeno ia aos jogos distritais do clube da terra, mas com a idade ficamos cada vez menos masoquistas), logo o que seria de mim enquanto adepto se não tivesse oportunidade de ver a minha equipa todas as semanas...

No entanto acho muito curiosa essa cultura do radiozinho colado ao ouvido de antigas gerações, sem perda alguma da paixão clubística e do amor pelo desporto. O meu bisavô era muito castiço nesse ponto. Recordo ainda o seu ferrenho sportinguismo e as suas tardes de Domingo abraçado ao rádio, protestando contra os "árbitros"(na altura ainda não se tinha generalizado a palavra sistema)como se tivesse acabado de ser teletransportado para o estádio a dois metros da jogada, tendo perfeita percepção visual do lance. O mais caricato é que nos anos 80 e início dos anos 90, já tinham começado as transmissões televisivas regulares e lembro-me de dizer ao meu bisavô para vir assistir para a sala que estava a dar o Sporting e ele acedia já meio contrafeito. Chegado lá, eram 5 minutos a olhar(ele via muito bem apesar de 90 e piques!)e a decisão repetida e irritada: "Vou mas é para a cozinha ouvir no rádio". Depois em conversas com ele, descobri que ele NUNCA tinha ido a um estádio e que nunca tinha gostado de ver jogos na TV. Nada disso o impedia de descrever as "reviengas" do Douglas e do Silas ou antes a classe do Manuel Fernandes e do Jordão. O Futre tinha sido um roubo e era pena, porque o rapaz era um diabo à solta com o "esférico". Depois teve um ódio de estimação por um especialista de livres directos chamado Geraldão que as enfiava sempre na "gaveta", para seu horror, contra o Sporting. Recordava com agrado ao invés, os tempos de Peyroteo e descrevia os golos ou melhor os fuzilamentos às redes adversárias. Pelas descrições desconfio que o meu bisavô tenha achado estranho que a barreira do som só tenha sido ultrapassada de avião em fins de anos 40, quando anos antes já se fazia isso em terra com uma bola.

  Para ele todos os jogadores do Sporting eram bons...todos! Sem excepção! Por isso digo: quem mais razões de queixa tem da modernidade são os próprios jogadores! Foram finalmente expostos e materializados na sua errónea humanidade.
Ligados a uma frequência dos anos 80, um Ricardo faria voos estupendos aos cruzamentos... um Hugo Viana no ano passado? Um atleta queniano, irrequietíssimo em campo. A velocidade de Polga e Beto fariam inveja a Carl Lewis. E ninguém acreditaria na altura de João Moutinho, um "gigante dentro de campo".
 
Imaginem o choque que terá sido para alguns destes adeptos, tardios em aderir à TV, quando viram as barrigas de Veloso e João Pinto(FCP)ou o virús da calvície nada irmanado com a imagem de herói de melenas ao vento, espalhado indecentemente pelas Antas no ínicio da década de 90(Bandeirinha, André, Semedo, Magalhães...). Quando descobriram que afinal o Paneira não passava por um, por dois, por três, por quatro, mas se limitava a ser um jogador sempre com a mesma finta, oportuno e que tirava bons cruzamentos. Também eu voltaria ao rádio, também eu iria para a cozinha...

Isto parecem aqueles reis antigos que escolhiam a noiva por retrato pintado e que quando elas finalmente chegavam, decidiam naquele mesmo dia, espalhar bastardos pelo país. O romantismo já não é o que era...

Ah, só mais uma coisa. Senhores que gostais de ouvir relato na rádio ainda hoje em dia, mais que ver na TV: como podem depreender eu entendo a vossa situação. Mas, mas, mas...será que há necessidade de ir para o café com o rádio ligado ou com auricular(nova moda, desde que os outros foram linchados) que seja? Vocês sabem que na SportTV, chega uns segunditos atradada a imagem né? E que o auricular deixa sempre escapar alguns sons ou se não, sobram sempre as vossas adiantadas reacções tirando todo o prazer e emoção a quem não gosta de ouvir futebolês cantado. O que esperam? Porque o fazem? Estão à espera que alguém se levante e lhes dê os parabéns, o proclamem o novo Zandinga? Em casa não se está mal senhores...

Saudade tenho sim é de assistir a jogos no estádio, de tarde! Como é possível que de há uns anos para cá os grandes tenham deixado pura e simplesmente de jogar de tarde por causa das transmissões televisivias. Isto acontecerá em mais algum país?

Que encontar um equilibrio: entre os desejos de horário pelos média-Tv e desejos dos adeptos.
De igual forma, o valor dos bilhetes terá de ser repensado, em que, as modalidades de pagamento prêvio anual se assumem como uma excelente solução quer para o clube ( pelo encaixe de mais valias) quer para os adeptos ( pelos valores muito mais razoáveis, a bom exemplo que eu saiba temos o FCP para a 2ª volta que proveu justamente este método.

A bom exemplo e de sucesso, podemos ver na liga Inglesa muitos muitos mais jogos ao Sábado e Domingo na TV comparativamente à Superliga em horário perfeito para o adepto, e ainda, os ver até no Natal.As bancadas?Repletas como sempre...