Guardião Guardiola | Relvado
Lead: 

Dizem que o Barcelona não será o mesmo sem Guardiola. Não acredito. Resta saber se Guardiola será

Guardiola é um produto do Barcelona e, até hoje, parecia impossível ver Guardiola sem o Barcelona e o Barcelona sem Guardiola. A verdade é que o tema da renovação do contrato já durava há muito tempo. Tempo demasiado para quem procura(va) a estabilidade e ao mesmo tempo a felicidade. Um tema que pode ter tudo, aliás, alguma repercussão na temporada menos conseguida do ‘Barça’, comparativamente a épocas anteriores. Guardiola deixa o seu clube do coração, que defendeu com alma e paixão insuperáveis, depois de ter perdido a possibilidade de discutir até ao fim mais um título de campeão nacional e a Liga dos Campeões.

É exagerado e inadequado dizer-se que Guardiola sai pela ‘porta baixa’ depois de ter realizado, desde 2008-09, quando rendeu Frank Rijkaard no comando técnico do clube ‘azulgrana’, 242 jogos em todas as competições, com o incrível registo de 176 vitórias, 46 empates e 20 derrotas; 619 golos marcados e 178 sofridos -- e ainda 13 títulos conquistados, que podem ser 14 se o Barcelona conseguir vencer o Atlético de Bilbau, na final da Taça do Rei, no próximo dia 25. Quer dizer: Guardiola ganhou tudo (Liga, Liga dos Campeões, Supertaça de Espanha, Supertaça Europeia e Mundial de Clubes), numa vida dedicada ao Barça, o clube que serviu com extraordinária dedicação, mas, independentemente da força das propo$ta$ que podem estar sobre a mesa, percebe-se a exaustão de Guardiola.

São 4 anos de rotinas, de repetição de processos, que não começaram com ele, mas se apuraram com ele. O famigerado ‘tiki-taka’ nasce de uma ideia muito simples e muito antiga, a génese do futebol: ter a bola, fazê-la circular para arranjar espaço, na relação com o tempo, para chegar ao golo; e, quando se a perde, por mérito do adversário ou demérito próprio, apelar a todos os recursos (pressão, velocidade, posicionamento, agressividade) para recuperá-la.

É a melhor ideia colectiva do futebol, achada nos primórdios do ‘association’, que pressupõe unidade, solidariedade, familiaridade, perseverança, identidade. Por isso, o Barcelona é um clube diferente. A ideia pode ser discutível nos tempos que correm, mas também por isso -- pela instantaneidade dos tempos que correm, avessos a projectos -- é uma boa ideia, uma ideia corajosa. É uma ideia, no entanto, potenciada pela excelência das rotinas. E rotina é rotina: quem passa a vida a apertar parafusos, mesmo que os aperte bem, corre o risco de não saber fazer mais nada. A sensação que se colhe corresponde à exaustão de Guardiola a apertar parafusos. Mesmo o espaço mínimo de reivenção parece esgotado. Não há margem para fazer nada de novo. Os mesmos movimentos, as mesmas dinâmicas, os mesmos espaços, os mesmos passos. Cansa. Como cansa, no seu deslumbramento, o futebol do Barcelona.

Dizem que o Barcelona não será o mesmo sem Guardiola. Não acredito. Não acredito que o Barcelona esteja disposto a abdicar do seu conceito. Basta encontrar a figura que, pelo perfil, seja capaz de se adaptar ao conceito. Pode ser Tito Vilanova, a extensão de Guardiola, a extensão do conceito. Mas, em vez de Vilanova, também poderia ser Villas-Boas, jovem, com uma mentalidade aberta mas não revolucionária, adepto do ‘association’.

Resta saber se Guardiola será o mesmo sem o Barcelona. Sem a máquina e sem as rotinas. É um grande desafio e Guardiola talvez precise dele. Sem deixar de ser o guardião do ‘bom futebol’.

 

(Rui Santos escreve de acordo com a grafia do português pré-acordo ortográfico)

Acompanhe os artigos do Relvado no Facebook e no Twitter.

 

Rui Santos no Relvado 1 (fundo verde)
Taxonomia: 
Rui Santos

Guardiola

Gostava que o Guardiola fosse o mesmo sem o Barcelona. Só tempo dirá, se sim se não...

Concordo plenamente com as

Concordo plenamente com as ideias expressas no artigo. O nosso André Villas-Boas daria um bom treinador para o Barcelona. A personalidade do treinador encaixa muito bem com o conceito do Barcelona.

caro rui santos

não sou nada apreciador de grande parte das suas ideias mas acho que pela primeira vez gostei de o ler.
neste caso penso que fez uma análise interessante. só tinha a ganhar em fazê-lo mais vezes, pois aqui escreveu sobre futebol ao contrário do costume.fiquei mesmo surpreendido pois nas suas crónicas habituais a ideia que dá é que em relação a futebol jogado tem conhecimentos demasiado limitados, daí os seus comentários versarem usualmente sobre assuntos que considero extra-futebol.

gostava no entanto de perceber ao que se refere quando diz "association" mas como sempre, será uma pergunta que ficará sem a sua resposta.

concordo consigo quando refere "o espaço mínimo de reivenção parece esgotado". penso que foi a isso que guardiola se referiu como "cansaço".

mas coloquemos agora sir alex ferguson em cima da mesa... um treinador que parece imune a esse "cansaço" e que é capaz de reinventar equipas há 20 anos, apesar de tentar manter smepre uma base constante. pensei que guardiola seria capaz do mesmo. talvez seja por isso que para mim, por enquanto, o lugar de melhor treinador de sempre seja do escocês. guardiola tem agora que provar que não é apenas um grande treinador no barça. a ver vamos.

mourinho creio que se aproxima mais de ferguson, daí que acredite que depois de ganhar este campeonato e de conseguir ganhar a famigerada champions no 3º clube diferente que possa encetar um projecto a longo prazo semelhante ao de ferguson. julgo que teria no mínimo o mesmo sucesso, pois é um treinador que vive muito o seu trabalho e que pretende deixar marca por onde passa e no que faz.

termino dizendo que apesar de haver grandes treinadores, estes 3 que referi neste comentário são ,na minha opinião, os melhores actualmente, mas muito diferentes entre si.

cumps

Concordo plenamente!

Também acho que o Rui Santos quando fala de futebol acerta quase sempre e é o que devia de fazer mais, apesar de não conseguir ser totalmente isento. Quanto a passar a vida na SIC a comentar arbitragens quando não se consegue distanciar do seu clube de coração e acaba por ter uma visão das arbitragens na maioria das vezes enviusada. Talvez nem sempre porque também eu , embora tentando ser isento, na maioria das vezes terei tendencia a ver o meu lado, (como o sr Rui Santos.

Seleccione a sua forma preferida de visualização de comentários e clique "Guardar configuração" para activar as suas alterações.