Há anos que o futebol tresanda a corrupção. Há muitos anos que a FIFA se tornou num dos maiores poderes clientelares do Mundo. É fácil perceber porquê. As receitas geradas pelo ‘negócio-futebol’ são um forte atractivo para o apelo ao enriquecimento rápido e ilícito.

Devido ao rápido crescimento da indústria, o futebol é confrontado com diversas formas de crime, designadamente corrupção, fraude, evasão fiscal e lavagem de dinheiro.

A FIFA a (quase) tudo fecha os olhos e está a rebentar pelas costuras.

Os Estados vergam-se ao poder da FIFA e alinham na mais completa ‘orgia económico-financeira’ que está a atingir um ponto limite.

Mohamed bin Hammam, membro do Comité Executivo da FIFA e presidente da Confederação da Ásia, propõe-se ir a votos com Blatter, em eleições marcadas para 1 de Junho.

Nas últimas horas rebenta o escândalo: Hammam é acusado de comprar votos aos delegados das Caraíbas numa reunião havida a 10 e 11 de Maio em Port of Spain. As acusações falam de 40 000 dólares a cada delegado. Hammam desmente (fala-se de pagamento de despesas) e alega o conhecimento de Blatter, que, em face disso, deveria ter reportado o assunto à Comissão de Ética.

Quer dizer: Hammam nega, mas alega que Blatter, ao ter conhecimento do assunto, não poderia ter ficado passivo como ficou.

Vladimir Putin, que viu a Rússia ser escolhida para organizar o Mundial de 2018, sai em defesa de Blatter.

O assunto chega à Comissão de Ética e, na conferência de imprensa de domingo, Petrus Damaseb (Namíbia), sentado ao lado do secretário-geral da FIFA, Jerome Valcke, veio comunicar a suspensão de Mohamed bin Hammam e do vice-presidente Jack Warner de toda e qualquer actividade relacionada com futebol e ilibar Blatter das acusações de que era alvo.

O ‘vice’ Jack Warner é o mesmo alto dirigente que declarou há poucos dias que “a FIFA vai ser atingida por um ‘tsunami’”.

O namibiano Damaseb, que presidiu ao júri da Comissão de Ética, juntamente com Juan Pedro Damiani (Uruguai), Sondre Kaafjord (Noruega), Les Murray (Austrália) e Robert Torres (Guam), fez questão de acentuar que não estava a dizer que ‘Hammam era culpado’, mas mesmo assim o Comité decidiu-se pela suspensão do ex-candidato à presidência da FIFA.

Jerome Valcke -- o segundo dirigente mais importante no comando executivo da entidade -- admitiu ter dito que o Qatar ‘comprou’ a candidatura à organização do Mundial-2022.

São sinais claros que a FIFA está podre por dentro e necessita de se reformar.

A FIFA, pelos sinais emitidos e pelas provas que ela própria reconheceu ter recolhido (forçada basicamente pela pressionante imprensa inglesa), ter-se-á tornado na maior promotora das ‘economias paralelas’ à escala global.

Nos últimos meses, sem alternativa, no decurso do processo que conduziu a Rússia e o Qatar à organização dos ‘Mundiais’ de 2018 e 2022, a FIFA já deixou cair membros importantes do Comité Executivo (Reynald Temarii e Amos Adamu) e agora Jack Warner e Mohamed bin Hammam.

No passado dia 9, a FIFA consumou uma parceria histórica com a Interpol (Ronald Noble, secretário-geral). Com o objectivo de combater a fraude dos resultados desportivos. A Interpol receberá 4M€ por cada um dos dois primeiros anos e mais de 1,5 M€ em cada um dos oito anos seguintes. Um acordo, portanto, para 10 anos.

Um aparente bom esforço. Mas a pergunta mantém-se: e quem investiga a FIFA, o que a alimenta e quem está dentro dela?

A FIFA vai nua. A sua reputação nunca esteve a um nível tão baixo. Ignorar os sinais de desagregação (pela corrupção) e manter o acto eleitoral (com candidato único) para quarta-feira é a prova de que, neste Mundo, há pessoas disponíveis para levar a farsa aos limites da inconsciência. Talvez porque a certa altura não há caminho de retorno.

*(em actualização)

NOTA - Acabou sob tensão a conferência de Imprensa concedida por Joseph Blatter. Os jornalistas queriam fazer mais perguntas. Blatter recusou. Falou de respeito. Muitas questões não foram respondidas. Blatter, candidato único, não vê razões para adiar as eleições de quarta-feira, dia 1. Falou de ‘tolerância zero’ a partir deste momento. Diz que a FIFA não está em crise, mas em dificuldades. E que o Congresso tem de tomar decisões, porque não é ele quem escolhe os membros do Comité Executivo. Não basta falar da ‘bonita final’ da ‘Champions’. É preciso olhar para dentro. Perceber a lógica do tráfico de influências e o impacto dos reconhecidos subornos. Se isto não é crise, o que é crise então?

(Rui Santos escreve de acordo com a grafia do português pré-acordo ortográfico)