As ironias do futebol. Num campeonato macrocéfalo como é o nosso, cada vez mais bipolarizado, o comportamento desportivo daqueles que eram à partida dois principais candidatos ao título faz deste ‘clássico’ um jogo ainda mais especial.

Seria a subida ao topo máximo da expectativa se o Benfica ainda estivesse na corrida. Não está, mas isso não vai condicionar a atitude competitiva da equipa de Jorge Jesus.

Na óptica benfiquista, perder a Liga para o FC Porto já é, por si só, bastante doloroso e traumático. Consentir que o seu rival conquiste o título no Estádio da Luz é algo que os responsáveis e adeptos ‘encarnados’ vão tentar evitar a todo o custo. É, de facto, uma questão de orgulho, como já afirmou Fábio Coentrão.

A Liga Europa é ‘outra conversa’. Não entra nestas contas. Não há gestão possível que se possa fazer num quadro de rivalidade exacerbada.

Não tenhamos dúvidas: as duas equipas vão fazer tudo para ganhar.

Apesar de ser o FC Porto que entra no Estádio da Luz com algo de muito importante para conquistar, a pressão é -- como dizer? -- mais gerível. Essa menor pressão, se não for bem gerida, constituirá no entanto o factor que pode levar o FC Porto a falhar, este domingo, o seu (primeiro) objectivo.

Quer dizer: se o FC Porto ficar à espera que o Benfica tome a iniciativa (e o Benfica não tem alternativa, se quiser ganhar o jogo), mesmo sendo verdade que os portistas estão a revelar-se muito sólidos nas transições defensivas, estarão a concorrer para que o adversário se empolgue e galvanize. E esse é o grande perigo para o FC Porto: permitir o empolgamento do Benfica. Num Estádio cheio e num ambiente previsivelmente difícil, os dragões, neste quadro, isto é, assumindo uma atitude mais contemplativa, correrão um maior risco de poder sucumbir, e isso só não acontecerá perante a possibilidade de emergir um Benfica com problemas de eficácia. Isto é: empolgado mas inoperante.

Tudo vai depender da estratégia traçada por Villas-Boas: ou o técnico do FC Porto convence mentalmente os seus jogadores que o Estádio da Luz está mesmo reservado para a equipa ganhar o jogo e fazer a festa do título, obrigando-os a uma postura de conquista -- e temos espectáculo! -- ou o treinador portista entende que deve ficar numa posição de maior expectativa, e, nesse cenário, o encontro poderá ficar mais ‘travado’ e ‘empatado’.

Sinal importante: a anunciada presença de Pinto da Costa no 'banco' do FC Porto. Falta-lhe esse título: campeão na Luz. Falta-lhe esse título para (toda) a história...

Por todas as razões, até pelo que se tem passado fora das quatro linhas, esperemos que este não seja nem o ‘clássico do medo’ nem o ‘clássico dos perigos’.

Joga-se muita coisa no Estádio da Luz. Mas o que se joga no Estádio da Luz tem de ser sempre superior ao medo e ao perigo. Seja qual for a equipa que se sinta vencedora ao fim dos 90 minutos, o importante é que triunfe o futebol. E o futebol só triunfará se, num clima de latente irresponsabilidade, todos fizerem uma pausa. Esta mais recente troca de comunicados não me parece nada apaziguadora. Bastaria um pouco de bom-senso para se evitarem posições extremadas.

É legítimo que o Benfica queira ganhar o jogo.

É legítimo que o FC Porto queira vencer o encontro e festejar o título.

É, pois, essencial que todos saibam assumir as suas responsabilidades, num momento particularmente difícil para o País: os jogadores, os treinadores, os dirigentes, a equipa de arbitragem e os adeptos.

O futebol em Portugal tem de ser uma festa e isso passa por... saber ganhar e saber perder. Mesmo não perdendo de vista que o futebol português tem de percorrer um longo caminho para impor o regime da ‘verdade desportiva’, isto é, dar oportunidades iguais a todas as equipas, no plano da aplicação das regras que regulam a modalidade. Na Arbitragem, na Justiça Desportiva e no Fair-Play Financeiro.

No imediato, enquanto não for possível ir mais longe... joguem e calem-se!