A propósito das hegemonias

Após a célebre expressão de Jorge Jesus temos assistido, numa base quase diária, a novas utilizações do conceito de hegemonia. Não querendo, de todo, menosprezar a importância que a Supertaça Cândido Oliveira tem no futebol português, o verdadeiro troféu por excelência sempre foi e será o Campeonato nacional. Assim, pretendo, neste artigo apenas procurar observar as tendências hegemónicas ao longo dos últimos 79 anos no que respeita à mais importante prova profissional em Portugal.

Comecemos então apenas com um exercício simples de enumeração de títulos por cada um dos vencedores:

Benfica - 32
FC Porto – 27
Sporting - 18
Belenenses – 1
Boavista – 1

A leitura simples destes números apenas comprovam aquilo que há muito é do senso comum, i.e., que o campeonato português é historicamente uma luta a três. Por outro lado, o que esta resenha história faz é pura e simplesmente minorar a grande evolução que o braga teve na última década já que a mesma não teve reflexos em conquistas. De qualquer forma fica sublinhada a realidade que existem apenas três grandes em Portugal e que garantidamente existirão três grandes nas próximas duas a três épocas independentemente dos clubes que ganharem a liga. Mas o ponto deste exercício, fundo, assenta numa leitura mais global do conceito de hegemonia dos vencedores da liga portuguesa.

Simplificando o número de ligas ganhas (até uma perspectiva quase cega mesmo) eis que temos a lista de clubes hegemónicos por década.

30 – Divisão entre Porto em Benfica com algum ascendente dos portistas em virtude do maior número de segundos lugares

40 – Domínio do Sporting com o Benfica bastante próximo. Poder-se-ia dizer que esta foi uma década praticamente jogada a dois apenas com a brilhante intromissão do belenenses na época de 45/46.

50 – Continua o domínio do Sporting mas, nesta altura o Porto fortalece-se e começa a ameaçar, em conjunto com o Benfica esse domínio.

60 - Esta década marca o inicio dos anos de ouro do Benfica, interrompida a espaços pelo Sporting. Paramos no final dos anos sessenta para olhar um pouco para as tendências até esse ponto, claramente o Sporting está em declínio no que a títulos diz respeito (nunca mais seria capaz de conquistar 3 campeonatos em qualquer uma das décadas futuras), o Benfica com uma tendência crescente e o Porto com uma intermitência enorme, sendo que á data, com apenas 5 títulos nacionais se configurava como o menor dos três grandes. Contudo erá já possível ver que a hegemonia que o Benfica atingira na década de sessenta não poderia durar eternamente e, que se o Sporting continuasse o seu declínio seria o Porto a ascender como o segundo dos três grandes de Portugal. Mas retomemos a viagem…

70 – Nova década de domínio do Benfica, com o Porto e o Sporting a dividirem o protagonismo (ainda assim, o Sporting mantinha-se na trajetória descendente e o Porto mantinha a sua intermitência).

80 – Continua o domínio do Benfica mas assiste-se agora a um Porto com maior consistência, a intermitência das décadas anteriores parece definitivamente afastada e o Sporting começa a ver a sua posição fortemente ameaçada.

90 – Esta foi a década de ouro do Porto (no que diz respeito a campeonatos. O Benfica caiu abruptamente no número de títulos conquistados e o Sporting manteve a sua trajetória descendente. Nos anos 90 o Porto ganhou tantos títulos como o Benfica nos anos sessenta. Esta década relega o Sporting para o último dos três grandes.

00 – Uma nova analogia, a primeira década do novo século está para o Porto como os anos 70 estiveram para o Benfica, domínio total com seis campeonatos contra apenas 3 dos seus rivais.

10 – Até ao momento verificamos um domínio absoluto do Porto nos primeiros 3 anos desta década, quer Benfica quer Sporting não foram ainda capazes de conquistar qualquer troféu.

O Porto ameaça tornar-se no primeiro dos três grandes caso o Benfica não seja capaz de inverter o ciclo. Valendo o que vale, vou apenas tentar prever, de forma linear e amadora, o que poderia/deveria acontecer com base na tendência verificada até agora: Em teoria nesta década deveríamos assistir a uma inversão da tendência dominante do Porto (nunca nenhum clube esteve mais de duas décadas sem ver a sua hegemonia ameaçada i.e., benfica anos 60, 70 e 80) o que significa que ou Benfica, ou Sporting deveriam amenizar os triunfos do rival do norte. Uma vez mais baseado apenas na história seria espectável que o Porto conseguisse vencer mais duas ligas sendo as outras divididas entre Sporting, Benfica e quem sabe o Braga que procura de forma consistente obter o seu lugar na história.