OPINIÃO: Real 'Kindergarten'O Real Madrid contratou um rapaz de 7 anos. Os grandes clubes aproveitam-se da extrema pobreza e arr |
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10 de Agosto de 2011, às 16:37 |
A mais recente contratação do Real Madrid é surpreendente a todos os níveis. Nem mesmo Florentino Perez, habitualmente arguto e visionário nas suas teses futebolísticas, conseguirá explicar esta manobra sem cair no ridículo. Descrevê-lo como um jogador com uma enorme margem de progressão é no mínimo enganador. Trata-se de Leonel Angel Coira, um rapaz argentino de apenas 7 anos de idade, e que se apresenta ao mundo como o mais jovem profissional de sempre. Começa a treinar com os seus colegas já em Setembro. O mundo do futebol é fértil em surpresas, mas desta vez superou-se.
Esta notícia veio reacender um velho debate que levanta questões de ordem ética e moral. A que extremos chegará um clube, na sua demanda pelos craques do amanhã? Numa batalha travada a vários níveis, que vai do presidente ao olheiro com toque de Midas, vale tudo. Numa indústria de milhões, desfasada duma realidade quotidiana em que se contam os tostões, a clarividência e o bom senso escasseiam. Será que num futuro próximo, e após uma cuidada análise genética, veremos clubes a assinar pré-contratos com os pais de possíveis talentos, quando estes ainda se encontram numa fase embrionária da vida? Seria o cúmulo do absurdo, mas fica o aviso.
A aposta precoce do Barcelona em Lionel Messi, com o sucesso que se conhece, terá sido o rastilho para esta política de recrutamento. O mote terá sido dado para que outros clubes tentem a mesma sorte. De torneios de escolas em São Paulo a treinos de captação em Accra, todo o talento é observado e escrutinado. Os olheiros dos grandes clubes europeus conhecem-se uns aos outros e cumprimentam-se: "Tu aqui?". Amigos de ocasião, inimigos confessos de profissão. Um jogo de espiões que dava um best-seller.
A prospeção feita em África, é aliás, um dos maiores escândalos do futebol atual. Montam-se pomposas academias de formação e filtram-se as crianças como gado, em busca do próximo Drogba. Aproveitam-se do apelo do futebol em meios de extrema pobreza e, por uns míseros equipamentos em segunda mão, arrastam os jovens para o seu mundo. Vão de aldeia em aldeia, anunciam a sua chegada com alarido, montam um simples treino de improviso num descampado e tomam as suas decisões. Aliciam uns, arrasam os sonhos de outros. Deixam atrás de si um rasto de tumulto e incompreensão.
Proclamam-se mecenas e anunciam programas de apoio social que acabam por servir de fachada para um negócio de exploração infantil, cruel e desumano. Arrancam os jovens mais promissores das suas famílias com promessas de um futuro glorioso no futebol europeu, com todas as regalias e benesses inerentes ao profissionalismo. A realidade é muitas vezes outra. São deixados à sua sorte, e chegam a passar a fome que julgavam ter deixado em África. Entre treinos extenuantes e a solidão de um quarto sem aquecimento e sem mobília, a maioria não aguenta e foge. Regressam como podem à sua terra. Vergados pelo fracasso, sofrem a humilhação de voltar sem nada. Acreditaram, na sua ingenuidade que tudo daria certo.
É uma face do futebol que me envergonha. Ninguém olha para este problema com olhos de ver. A exploração irá continuar impune. A operação está blindada e tem raízes demasiado profundas. O medo de represálias silencia a indignação.
Os clubes endinheirados e sedentos perpetuam o ciclo. Longe de serem clubes formadores por excelência, limitam-se muitas vezes a colher os frutos de um trabalho feito com brio e dedicação pelas coletividades menores. Abordam os jovens em treinos e "compram" os pais com casas, carros e empregos se for necessário. Utilizam as redes sociais como um verdadeiro motor de busca. Servem-se do seu poder para comprar ao desbarato e transformam o seu parco investimento em lucros avassaladores. Para muitos, é o "negócio da China".
Enquanto isso, lá vemos o pequeno Leonel Coira, a posar sorridente para a fotografia com o emblema do Real Madrid em segundo plano. É o rosto de uma indústria que perdeu a vergonha. No entanto, torço por ele. Fixarei o seu nome e espero ver a sua estreia na equipa sénior. Quantos, como ele, não se perderam pelo caminho.
(Pedro Mota é um adepto atento e especialista no fenómeno futebolístico)
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Kindergarten
Enviado por Franquegenio Superzappa a 10 de Agosto de 2011, às 22:47.Quem gosta de futebol não pode deixar de ficar com alguns amargos de boca ao pensar sobre este tema - nós, os adeptos, contribuimos para manter este estado de coisas.
Este artigo toca a questão com acutilância sem perder a sensibilidade do adepto que vê o futebol sem a miopia da cor clubista.
Parabéns!
Com alguma disponibilidade e rigor do autor,
Enviado por vattimo a 10 de Agosto de 2011, às 17:56.... provavelmente teria lido o melhor artigo deste ano no fórum Relvado.
Porém, quando os locais deste planeta em cima citados, valem todos o mesmo para técnicos apressados que já não se preocupam com os sítios, visto que a grande maioria das cidades actuais exibirem por toda a parte as torres de vidro, neste emaranhado, as paisagens esbatem-se, as culturas dissolvem-se, a diferença apaga-se.
Esta salsada faz desaparecer o que permitia aos indivíduos distinguir-se, inventariar a sua herança, e assim até poderíamos , identificar e compreender as culturas europeias, das asiáticas, das africanas, etc..
Assim como a disposição e conduta (abordagem) negocial em cada destes locais, deve ser provavelmente distinta.
Saudações