Crónica: o amor às quatro linhas

No último título do Benfica vivi uma experiência da qual nunca mais me irei esquecer. Quando ia a caminho do Estádio da Luz, a babar-me todo enquanto gritava «somos Campeões», deparei-me na berma da estrada com um senhor de barbas gastas que olhava silenciosamente para mim. Era um sem-abrigo. Naquele momento senti-me a pessoa mais estúpida do mundo. Ao meu lado um homem de braços caídos, sem sonhos ou um abraço, jazia vivo no chão, enquanto que eu, repleto de sonhos, abraçava-me a um familiar de braços erguidos por... um jogo de futebol? Confesso que na esquina seguinte esqueci aquele senhor. Sempre fui um bom aluno...Mas hoje, longe da euforia desmedida e sem sentido, pergunto-me, como é que nós podemos dar tanta importância a uma bola redonda quando um mundo inteiro, igualmente redondo, está furado? Servirá o futebol como uma manobra de distracção? Se não, por que tomamos atitudes, como passar a maioria das vezes a desculpar a corrupção porque se o outro comete, o meu clube também pode cometer? Será amor?Afinal, é este que nos torna irracionais, entregues e preparados a acarinhar o máximo possível aquilo que estimamos, mesmo que seja o causador da maior dor que possa haver, tanto em nós como no outro...Entretanto, como a noite avançou e as memórias chegam na proporção inversa da forma como ela se está a despedir de mim, relembro-me de outra história...Um dia, antes de entrar para o relvado num jogo importante da época de juvenis, o meu mister virou-se para nós e disse:- «vocês hoje vão entrar num rectângulo mágico, façam magia nele»!Na altura senti-me maravilhado por aquelas palavras, mas hoje, se pudesse, corrigi-lo-ia sem hesitação. Será que num relvado se pratica magia? Será que isso é sinónimo de satisfazer o ego e a sede de conquista do homem? Afinal, um rectângulo não é mágico, é fechado!E agora, recuando alguns parágrafos, volto a perguntar-vos... Porque vêem futebol? Que magia encontram em ver homens a lutar por... um GOLO?Expliquem-me, é que mesmo que eu encontre razões hereditárias, sociais ou de outra ordem, ao ver o que me rodeia não consigo perceber porque vejo futebol.CaMuFLadO