Crónica: Uma analogia ao campeonato

Nós, portistas, estamos tranquilos... Dizem que a maioria dos acidentes se dão na estrada, mas o que é certo é
que há muito mais carros do que barcos e aviões. Depois, temos uma confiança enorme nos dotes de condução do
nosso piloto, pelo que sabemos que será uma viagem tranquila e sem grandes sobressaltos. O carro é bom, tem peças de
qualidade, bem montadas, e a experiência dos últimos anos diz-nos que costumamos optar pelos melhores caminhos.
Não por atalhos, como os outros nos acusam, mas por caminhos mais simples e eficazes. Podemos não chegar ao
destino em primeiro lugar este ano, mas a base é sólida e, no pior dos casos, temos um acidente de percurso ou
um furo num pneu. Não corremos o risco de afundar nem de cair de uma altitude elevada, pelo que estaremos certamente
aqui no próximo ano para o que der e vier.Ao nosso lado, em pleno rio, vejo os sportinguistas. Estão todos no alpendre do barco a discutir. Uns dizem
que o comandante vai pelo caminho certo, outros dizem que vai pelo caminho errado e ninguém se entende. Até o dono do barco
é posto em causa por uma questão de manutenção. Eles sabem que o barco é bom, pelo menos as peças-chave são de qualidade
mas, há tantos anos naquele barco, requerem uma vistoria que parece não ter sido bem feita. Nos últimos anos, à
excepção de 2008 quando a greve dos marinheiros atrasou bastante a chegada dos sportinguistas, não ganharam a corrida por
uma questão de minutos. Por isso, discutem a melhor forma de ganhar tempo aos adversários. O problema é que anda
tudo distraído e já entrou alguma água sem que quase ninguém desse por ela e o barco pode vir a afundar. Se o barco
afunda, dificilmente recuperam a tempo da corrida do próximo ano. Ou se põem a pau, ou seguem mesmo o rumo do Titanic.
É que, ainda por cima, o comandante parece mesmo querer ser o último a morrer...Olho finalmente para cima e vejo os benfiquistas. Ou melhor, eles vão tão alto que eu nem os vejo, só vejo o rasto. O
Pai Louco subiu a 11.000 metros de altitude e nem ele os conseguiu ver! Arranjaram um piloto que até já foi comparado ao
Arnold Schwarzenegger e o homem levantou o avião a todo o gás. Caiu no goto dos adeptos e vai tudo eufórico, o
que é normal porque o piloto conduz o mesmo avião que até há bem pouco tempo parecia tão enferrujado e incapaz como uma
manta de retalhos de ferro, de tal modo que ficava sempre em último na corrida. Houve um ano, inclusive, que até um outsider
se meteu à frente dele, mas isso também aconteceu em 2008, por altura da greve dos funcionários das companhias aéreas, e a
verdade é que seria muito difícil fazer melhor. Neste momento, no entanto, vai cheio de combustível e é uma séria
ameaça a chegar em primeiro. Por isso, os benfiquistas atropelam-se lá dentro para irem todos à janela, a gesticular de
alegria e a gozarem com os adversários que seguem uns bons metros mais abaixo. Não é que a avioneta vá já à frente, mas a
julgar pela loucura vivida pelos benfiquistas isso até nem importa por agora. O problema é se o combustível acaba ou
se a avioneta volta a tremer ao passar a primeira zona de turbulência. É que, apesar das peças estarem todas bem apertadinhas e
oleadas neste início de corrida, a verdade é que o histórico de voo recente não é dos melhores e o painel de bordo
nem sempre dá as coordenadas correctas. Por isso, é bom que eles tenham calma porque, de tão alto que estão, a queda é enorme
e depois fica muito mais difícil voltar a reunir as peças todas, salvar o piloto e montar o avião para a próxima corrida.
Vá lá que, pelo menos, é muito mais agradável voar no Verão entre uma e outra corrida e nessa altura do ano eles são sempre os
mais felizes e confiantes. Por isso, tenho quase a certeza que, aconteça o que acontecer este ano, eles voltam a levantar
a avioneta no ano que vem...E assim vejo eu o campeonato, nesta altura, do ponto de vista dos adeptos. Há alguém que prefira ir de comboio?artenigma